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Prisioneiros de “expectros”
Por René Schubert
“Expectativa é igual paçoca, do nada esfarela tudo”
Poesia rotineira
A verdade, na sabedoria popular, sobre expectativas…paçoca!
Li esta bela metáfora no Instagram (@poesiarotineira) e a compartilho com vocês…pois ela é muito verdadeira. Ou, ao menos toca em verdades. O que eu vejo, ouço, sinto…na relação com o outro é real, ou são as minhas expectativas projetadas, falando, ouvindo e sentindo? Eu “expecto” o outro ou me relaciono com ele(a), tal qual ele(a) se mostra e É? Claro…relações são a 2 (3,4,5)…ou seja…todos “expectamos”…a dúvida é, nos relacionamos? Formamos laços, vínculos, trocas…reais…com outro(a)? E conosco mesmo(a), me relaciono ou me “expecto” a mim mesmo(a)? Vivo a vida, ou flutuo em uma bruma de ilusão?
“Ah que bom seria se…e se ele(a) pudesse entender isto…que decepção que ele(a) me causou…me olho no espelho e decepciono me com…se ao menos as pessoas…seria tudo diferente se ele(a) ao menos…ele(a) me fez pensar que…não acredito que fui tão idiota a ponto de cair nesta…se meus pais fizessem diferente, teria sido…vou pedir a Deus que mude isto, pois só assim…Eu não esperava isto de você…”…e tantos outros exemplos.
Conforme me relaciono, me permito, me entrego, vivo a relação – sofro, me desnudo, me fragilizo, fico vulnerável…cresço. Mas… “me disseram que a felicidade era…deveria ser…poderia ser…porque naquela vez ele(a)….e tem aquela história que contaram que era…”
Escolho a verdade dura, as renúncias atreladas, as consequências e efeitos de meus atos – a minha responsabilidade pelo que faço, vejo, sinto, escolho…ou…prefiro “mentirinhas” confortáveis. Instantâneas, imediatas, imaginadas, queridas, completas, perfeitas, construídas virtualmente na velocidade e facilidade de um: Click (?!)
“As massas nunca tiveram sede de verdade. Elas querem ilusões e não vivem sem elas”. Nesta afirmação de Sigmund Freud sobre as massas, o grupo padronizado, uniformizado de pessoas, temos também o refúgio nas ilusões, fantasias, falsas promessas, ideias simplistas e confortáveis. As ilusões têm algo ao mesmo tempo de fugidio, rápido, simples…controlável. A ideia de que posso ter, desfazer, terminar, deletar, dominar, sem muito esforço, sofrimentos ou renúncias. O mundo da fantasia é um mundo de prazer, possibilidades, vaidades e onipotência.
Quando crianças, isto faz muito sentido. Tenho o mundo em minhas mãos. Há um adulto cuidando do mundo, enquanto sonhamos e fantasiamos um dia sermos grandes. Por vezes pensamos que será em um estalo de dedos. Ou tomando uma poção mágica. Ou colocando os saltos e a maquiagem da mãe. Mas, na verdade, na realidade, há adultos pagando o preço, as consequências, as responsabilidades, as renúncias, para que as crianças possam ingenuamente e inocentemente permanecer em seu pequeno mundo de ilusão e fantasia.
E por este mundo de ilusão e fantasia, lentamente, vão adentrando na realidade. Um adentrar que não ocorre sem certo sofrimento e luto. O adultecer tem este preço. Percebo que aquilo que eu achava que era, não era bem assim. E aquilo que não era bem assim ainda está longe de ser o que penso que é. As coisas começam a receber uma amplitude, peso, consistência, valor, consequências. Dói. Dói demais. Me escapa o tempo todo das mãos. Não consigo conter, manter, encapsular. Tenho que (aprender) renunciar a formas de ver, perceber…de ser. Tudo muda, o tempo todo…é difícil ter controle sobre as coisas fugidias, evanescentes…que julguei eternas e fixas, permanentes em minha cabeça, em minha imaginação.
Crio o mundo à minha volta a partir de minha fantasia, desejos, pontos de vista, conceitos (e pré conceitos), crenças…em grande parte envoltas em uma roupagem de ilusão. Que o torna mais amigável, fácil, digerível, possível…na minha medida!
Mas não é! E isto me irrita. Isto me estorva. Me entendia. Me desanima. Me frustra. Me entristece. Vem aquele vazio incômodo. Aquela sensação…o que estou fazendo com minha vida? O que busco realmente nela…ou em mim? O que “eles” querem de mim? Ou talvez o que eu espero…expecto…faço e aconteço de mim, na vida?
“Desde que a gente nasce a gente vive escravo da expectativa do Outro”, colocação do psicanalista Jorge Forbes. Somos nomeados. Somos esperados. Há expectativas sobre mim do papai, da mamãe, dos avós, do meio externo, da comunidade, de quem nem conheço ou faço ideia – aliás nem ideia de mim mesmo tenho ainda, são os outros que as tem e proferem: “Se for menino ele vai poder continuar o negócio que meu pai criou, será a 3ª.geração no comando da empresa…Ela vai ser um alento para nossa família, depois de tudo o que aconteceu…Já comprei a camisa do time, ele vai ter o time do pai claro, e vou levar ele no estádio assim que der…agora a irmã não vai se sentir tão sozinha, ela nos pediu tanto por um irmãozinho…agora com esta criança nosso casamento vai ter mais força…importante ter filhos para não ficar sozinho quando for velho(a)…” – apenas para ilustrar alguns exemplos destas expectativas, discursos que nos marcam antes mesmo de estarmos na realidade. E vou precisar de um longo tempo para me dar conta destas expectativas depositadas sobre mim, dos outros e de mim mesmo(a), que eu achava, até então, que eram minhas. Achava ter controle. Poder sobre. Mas e se eu não for bom, boa suficiente? E se eu quiser fazer diferente? E se eu não quiser mais isto? E se eu não for da forma que pensaram? Mas, se eu fizer, vou ter que carregar isto comigo, sozinho(a)?
O conflito interno. Uma realidade para todo ser humano. E como dizia Sigmund Freud, somos seres em conflito, ora interno, ora externo…quem sabe os dois ao mesmo tempo.
E não tem jeito?
Bert Hellinger apontava: “A paz começa onde cada um de nós pode ser da forma que é, onde cada um de nós permite ao outro ser tal como é e ficar onde está”. Sem acréscimos, melhorias, certos ou errado, bom ou mau, sem mudanças…a não ser a nossa própria. Nos avaliamos, observamos, adaptamos, fazemos concessões, renúncias, negociamos, comunicamos, trocamos com nossos pares. Nos modelamos. Nos flexibilizamos. Conscientemente.
Tornamo-nos adultos e “pagamos o preço”. Assumimos as consequências e tomamos consciência de nosso lugar e possibilidades neste curso da vida. Talvez, da “nossa” vida. As ilusões continuarão existindo. Assim como as expectativas, do outro, de mim mesmo(a). Por vezes tudo junto e misturado. Emaranhado. É um processo de maturação. Maturar as ações, os pensamentos, a visão, a postura. Um caminhar de auto conhecimento e crescimento…que vai acontecendo enquanto seguimos…
Como nos ensina Stephan Hausner: “Expectation is the oppositive of Relationship”. É uma escolha. Uma tomada de decisão. Sigo esperando e criando expectativas. Ou vejo e sinto o que está à minha frente. Me permito viver, sem nada esperar. A medida que se mostra e realiza, vou me transfonando…
Pois é…no final se trata “apenas” de meu nível de consciência…nestes “pequenos” detalhes…só isso!
Seguimos! Conscientes de nós e das paçocas em nosso dia a dia!